terça-feira, 20 de abril de 2004

A Inconsistência da Motivação Humana (rev. 1)

Filosofia, matemática, lógica… Qual é o papel destas disciplinas nas nossas decisões, no nosso modo de ser?

A maioria de nós passa o seu dia a dia justificando as suas atitudes com preceitos de todos os tipos: filosóficos, humanistas, biológicos. O difícil é provar que existe algum tipo de consistência nesta chuva de doutrinas.

Um amigo me levantou uma questão interessante. Vai parecer trivial, mas nós temos dó de animaizinhos. Sério! Algumas pessoas têm. Eu fico horrorizado com histórias que ouço de pessoas malvadas que maltratam animais somente para saciar algum tipo de desejo mórbido. Mas não só por este motivo, eu me condôo do sofrimento de animais. Isso também acontece com meu amigo. Mas nós também gostamos de picanha. Como conciliar nosso impulso de proteger animais do sofrimento com nosso desejo de comê-los?

Pessoas que tem interesse em desenvolver opiniões consistentes sofrem muito com sua própria natureza. Eu estou tentando determinar uma norma de conduta consistente para me apoiar nas minhas atitudes. Para tratar este assunto preciso partir de um conjunto de premissas arbitrárias (o grande problema de todas as ciências). Dependendo das premissas que eu escolho eu posso chegar à conclusão de que a manutenção da minha própria vida e a dos outros é tão importante como a manutenção de uma palavra escrita na areia, à beira do mar, ou, ainda, posso chegar à conclusão que certos grupos da nossa espécie são mais importantes que outros. O meu primeiro grande problema ao desenvolver uma filosofia é escolher este conjunto de premissas.

O que eu posso usar como parâmetro para escolher as premissas que vão guiar minha filosofia de vida? Eu poderia escolher orientado pelas conseqüências às quais elas levam. Eu elimino, por exemplo, qualquer conjunto de premissas que leve a conclusões racistas, que levem a concluir que a vida não tem valor, ou que dêem margem a maltratar os animais. Espere ai! Vocês percebem o que está acontecendo? Eu estou usando um conjunto de premissas para escolher as premissas da minha filosofia. Isso não é aceitável.

Então eu vou tentar fazer como os matemáticos, escolher os dogmas da minha lógica filosófica de forma que sejam os mais fundamentais possíveis e que sejam úteis para me levar a conclusões relacionadas ao mundo real (tentativa irracional de fugir do niilismo).

Bom, a minha filosofia serve para orientar a minha vida. Por este motivo parece ser lógico usar a própria vida para definir minhas premissas, fazendo com que estas sustentem aquela.

A vida não teve nenhum criador. Como a palavra propósito remete a um criador (o criador define o propósito), não podemos determinar o objetivo de vida perguntando para quem nos criou. Podemos, por outro lado, entender o que dirige as vidas que hoje habitam o planeta.

A vida só se mantém no planeta por que cada espécie possui a determinação necessária para se manter e produzir sucessores. Podemos entender que o objetivo da vida no planeta é a sua própria manutenção, ou, em outras palavras, autopreservação e procriação. Isso é consistente com a teoria evolucionista de Darwin.

Eu, assim como a maior parte dos que estão lendo este post, sou humano. Seres humanos têm capacidade cognitiva e consciência. Já que estamos tentando determinar os dogmas da nossa filosofia, devemos inspecionar o papel da nossa consciência na nossa vida. Não devemos ser ingênuos a ponto de acha que agimos de maneira racional. A lógica por si só não justificaria a necessidade da manutenção da vida. Como nós continuamos vivendo prova-se que existe algo mais fundamental para o nosso comportamento que a lógica. Podemos provar que parte dessas coisas fundamentais estão relacionadas à preservação da vida. Existem outras coisas? Analisando o meu próprio comportamento e o de outras pessoas utilizando métodos passíveis de crítica chego à conclusão de que a justificativa para a grande maioria das nossas atitudes não tem origem se quer consciente, muito menos lógica. Por que eu não gosto de ver animais sofrendo? Certamente eu não poderia apresentar uma prova matemática de eu devo sofrer por isso.

Essa questão toda é muito complexa, eu estou a semanas tentando desenvolver uma filosofia que possa regir meu comportamento neste tipo de situação, mas como demonstrado acima, acabo sofrendo de um tipo de ceticismo com relação a minha própria motivação.

Se eu conseguisse produzir tal filosofia. Como ela seria? O seu objetivo é proteger certos animais do sofrimento e da morte. Seria aplicada a todos os animais? Inclusive insetos? Para mim isso não parece muito razoável, mas para excluir os insetos do mecanismo de proteção eu precisaria definir um limiar. Talvez a massa ou a espécie. Qualquer coisa que eu possa pensar é inaceitavelmente arbitrário. Isso me leva a conclusão de que a mesma regra deva ser aplicada a todos os animais: eu devo dar a mesma importância a vida de um elefante e à vida de um pernilongo. Não! Isso não é consistente com minha motivação inicial. Cada vez que eu dou um passo à frente no desenvolvimento da minha doutrina sou levado a repensar minha base lógica e minha motivação.

A questão da proteção dos animais em si é filosoficamente trivial comparada com a falha na qual a minha humilde tentativa de formalização do processo de decisão culmina. Eu me assusto quando penso que o que rege a minha vida são motivações inconsistentes que eu não poderia justificar racionalmente. Sequer faz sentido atendermos alguns dos nossos ímpetos.

Essa é a maneira como nós pensamos. Temos motivações incoerentes e isso está acima da nossa lógica. Não podemos justificar a maioria das nossas vontades, muito menos das nossas atitudes. Será que temos que aceitar isso tudo ou podemos concertar esse defeito da natureza humana? Nós teríamos que reprogramar a nossa própria vontade. Um trabalho extremamente duro e incerto. Ou podemos simplesmente esquecer, desligar o computador e tentar não pensar se faz sentido sentirmos pena de animais todas as vezes que nos deparamos seu sofrimento.